Quantas vezes vocês assistiram a um filme antigo, ou leram um livro clássico, aclamadíssimo, e, bom, não acharam nada demais? Eu tenho três teorias para quando isso acontece: a soberba da juventude, de achar que sabemos de tudo e rejeitar inconscientemente o que é amado por gerações mais velhas, a falta de contexto de entender como aquela obra se encaixa na história da humanidade e seu impacto no que veio depois, ou a falta de conexão mesmo, não é porque é clássico que somos obrigados a amar. Mas eu acho que a segunda opção é a mais comum. Não que ninguém seja obrigado a fazer um curso para entender um filme, mas fazer um exercício de abstração e colocar a cabeça numa outra época é algo que ajuda a melhorar nossa experiência.
Eu estou dando toda essa introdução porque eu mesma tinha uma relação conturbada com clássicos, demorei a entender que precisava de contexto e ajuda para entender algumas coisas, que era meio orgulhosa demais para perceber. Quando era jovem consumi muita coisa de maneira desordenada e criei até certos preconceitos, que só descontruí na última década. Acho que é um sinal de maturidade.
Recentemente li Frankenstein, de Mary Shelley, um livro clássico, a base da ficção científica como conhecemos, e até mesmo do horror na literatura. A figura do monstro verde está enraizada no nosso inconsciente, mesmo que a gente não queira, e vamos chamar o monstro de Frankenstein, mesmo que esse seja o sobrenome do cientista que o criou. E o livro é algo bem….diferente. Não vou mentir para vocês, não é uma leitura fácil, nem muito prazerosa. Ler numa edição comentada me fez prestar atenção em vários detalhes que passaria batido. Mas ao final, eu me senti orgulhosa de mim mesma. Eu consigo ver elementos dele que foram base para outras coisas. Muitos dos seus temas continuam atuais e são passíveis de discussão até hoje. E o mais legal: pensar que é um livro escrito por uma mulher de 19 anos em 1818, duzentos anos atrás. Às vezes a gente não tem noção da passagem do tempo, esse livro acontece na mesma época dos romances da Jane Austen, décadas antes da época vitoriana, oitenta anos antes da publicação de Drácula do Bram Stoker. O horror dele é menos sobrenatural e mais comparável com a estranheza que um episódio de Black Mirror nos causa, um conto sobre os perigos, por assim dizer, de um avanço científico, uma extrapolação da realidade para gerar uma discussão. Com tudo isso em perspectiva, a gente reflete um pouco mais, a leitura vai além das palavras impressas no papel. E isso é bem legal.
Esse texto não é uma dica para vocês lerem Frankenstein, principalmente se não estão acostumados com livros antigos assim, é uma leitura enfadonha em sua maior parte, por mais recompensadora que seja sua conclusão. O que eu quero plantar na cabeça de vocês é a curiosidade por coisas que vão além de apenas ler um livro ou assistir um filme antigo. É saber de onde o autor veio, o que estava acontecendo na época, quais os temas que estavam em evidência naqueles anos. É fazer uma análise crítica de temas, estilos e narrativas que você está cansado de ver por aí e não parece nada inovador, mas que na época provavelmente foi sim algo inédito. É compreender porque depois desses anos todos essa história continua sendo contada, continua sendo relevante, continua inspirando.